Revista 187

Numero: 
187

Editorial

Rentrée atarefada

O Outono não tarda, os dias são mais curtos mas as cores na Natureza são já diferentes.

O tempo de férias começa para uns, termina para outros mas o importante é esta quebra do ritmo de trabalho para cada um de nós. É preciso parar, mudar...

Uns gostam de praia outros do campo outros de fazer um cruzeiro, visitar um país diferente mas sempre para mudar de ambiente. Alterar rotinas renova.

Um fim-de-semana diferente visitando uma cidade ou zona do país também ajuda.

Atenção, estamos numa fase de muito trânsito muitos acidentes e muita irreverência.

Continuamos à frente nas estatísticas de morbilidade e mortalidade. Mesmo as coisas mais duras não são suficientes.

O ACMP vai organizar um passeio cultural a uma bonita zona do Norte para se fazer a Rota do Românico. É sempre motivo de convívio, aproveitar para conhecer a cozinha regional e ver o que temos, guiados por quem sabe.

Os automóveis Antigos vão rolar, o programa é interessante e só é necessário boa disposição e vontade de mostrar as máquinas.

As exposições já estão marcadas, vamos ter fotografia, pintura em exposições colectivas, e participação em outros eventos.

A época é de crise, mas vale a pena visitar a galeria do nosso clube pois há imensos colegas com trabalhos muito interessantes. Se gosta de serigrafias de autores que não pode ter o original pode obter algumas no clube, pois são de qualidade.

Até ao final do ano temos as eleições e a nossa participação cívica é importante. Votar devia ser obrigatório, mas não sendo não podemos deixar que outros decidam por nós. Todos temos muita responsabilidade nas decisões que se tomam.

A pandemia continua em fraco desenvolvimento, mas não me parece que haja muita consciência do facto. Pode ser que o clima atenue as consequências dum problema Global.

Bom regresso a todos os sócios e familiares são os desejos da Direcção.

Prevenção Rodoviária

Não vá o sapateiro...

A ideia divulgada por Einstein de que tudo é relativo transformou o Mundo.

A Filosofia apoderou-se da proposta, a Sociologia idem e até os actos mais simples do quotidiano passaram a merecer esse tratamento. Em matéria empresarial, o que antes era evidente, deixou de o ser. Era evidente que os bancos destinavam-se a operações de dinheiro, os Correios ao transporte de correspondência, as companhias seguradoras a processar contratos de seguros, as clínicas e organizações de Saúde a tratar os doentes, os bombeiros a apagar fogos ou a acudir às vitimas das grandes calamidades.

O novo modelo alterou todo este sentido. Actualmente, os bancos impingem seguros de vida e apoio na doença, os Correios vendem livros, as companhias de seguradoras dispõem de clínicas, os hospitais são sociedades empresariais, os bombeiros meteram-se a transportar doentes.

Nesta babilónia moderna, qualquer dia compramos sorvetes em camisarias ou um par de sapatos em agências imobiliárias. O cidadão já se habituou a esta descaracterização, com uma bela fatia de responsabilidade da parte das grandes superfícies comerciais em que há de tudo, à moda das feiras, sendo as barracas tradicionais substituídas por estantes, cartazes coloridos e máquinas altamente registadoras em que cada plim corresponde ao somar da conta que espera o Zé pagante. Exibem-se couves e soutiens ao lado de livros e chouriços de sangue. Digo soutiens porque é da tradição, já que o nome português para o sugestivo elemento da roupa feminina é estrufião, nome pouco convidativo que faz lembrar as matronas do tempo da padeira de Aljubarrota.

O fenómeno da multiplicidade de actividades surge de modo muito curioso numa época em que a especialização profissional é aceite como única via para a capacidade profissional, a excelência de serviços. Mas o funcionário do banco tem de saber de seguros, o bombeiro tem de estar apto a valer ao doente que transporta. Fica-nos a ideia, infelizmente muito comprovada, de que os bancos sabem angariar clientes para os seguros mas não sabem gerir os seus negócios, os Correios sabem vender livros mas, com frequência, entregam a correspondência trocada, as companhias seguradoras sabem tratar doentes mas discutem à exaustão quando têm de pagar indemnizações ou negam-se a fazer seguros que não lhes interessem, os hospitais e organizações de Saúde dispõem de gestores que sabem gerir os lucros mas não tratam doentes adequadamente, os bombeiros sabem guiar as ambulâncias mas não apagam os fogos.

Em Agosto de 1900, sob a direcção de Guilherme Gomes Fernandes, os bombeiros portugueses obtiveram o primeiro Prémio do Campeonato do Mundo, em Paris.

Não se tratou, evidentemente, de mostraram a sua destreza no transporte de doentes mas na técnica, precisão e desenvoltura em apagar fogos. Lá está o seu busto na Praça do seu nome, na cidade do Porto, a testemunhar o feito e galardão.

Que o banco exija ao seu funcionário que impinja aos fregueses as vantagens de um seguro, é lá com a respectiva administração. Mas que os bombeiros se dediquem a transportar doentes é que é demais. Num país devastado pelos incêndios, em que as próprias organizações de bombeiros apontam a falta de recursos e a carestia para a sua incapacidade neste sector, desdobrarem-se em actividades sobre as quais nada sabem, afigura-se uma adulteração perigosa que a prática tem confirmado. Exibem uma pseudo-formação de primeiros socorros, apressada, sem qualidade creditada, assumida como ajuda a situações imprevisíveis, muitas delas graves. Não vá o sapateiro além da chinela, diz a sabedoria popular. Mas temos sapateiros a ir muito além da chinela.

É evidente que tal situação reflecte o estado do sector de transporte de doentes.

Quando, em 1976 o despacho Arnault criou o Serviço Nacional de Saúde, foi aplaudido. Entendia-se que a unidade iria originar uma orgânica desejável.

Com algumas hesitações, o tempo tem mostrado que, se não funciona de modo impecável, constitui uma solução a melhorar, não a destruir.

Ao contrário, em matéria de transporte de doentes, é o arranje-se quem e como puder. São múltiplas as organizações entendidas como habilitadas a transportar doentes e, quando as coisas não correm bem, o doente é que sofre e a culpa morre solteira, como é tradicional. INEM, Cruz Vermelha, Bombeiros, cada um para seu lado, cada um com uma variante de responsabilidades.

Compulsando a Internet no sítio transporte de doentes pode encontrar-se uma estante variada de interessados neste sector. Resumindo, há empresas privadas, viaturas pertencentes a vários centros hospitalares como Coimbra, Castelo Branco, Viseu, Leiria, Chaves, Hospital Pulido Valente e Hospital de Santa Maria além dos referidos INEM, Cruz Vermelha e Bombeiros de variadíssimas corporações independentes. Em matéria de legislação sobre o sector, indicam-se vias do Secretário de Estado da Saúde mas quase nada de orgânico.

De todo este arrazoado de misturas, pseudo-competências, e desmandos, noticiados no dia a dia com ambulâncias que dispõem da habilidade macabra de transformarem doentes em cadáveres antes de chegarem ao hospital, paira a questão magna do assumir da responsabilidade que, evidentemente, tem de caber ao Ministério da Saúde: para quando um Serviço Nacional de Transporte de Doentes?

Artigo escrito por: Armando Moreno